5 de janeiro de 2013

Um homem precisa viajar


“Um homem precisa viajar. Por sua conta, não por meio de histórias, imagens, livros ou TV. Precisa viajar por si, com seus olhos e pés, para entender o que é seu. Para um dia plantar as suas próprias árvores e dar-lhes valor. Conhecer o frio para desfrutar o calor. E o oposto. Sentir a distância e o desabrigo para estar bem sob o próprio teto. Um homem precisa viajar para lugares que não conhece para quebrar essa arrogância que nos faz ver o mundo como o imaginamos, e não simplesmente como é ou pode ser. Para quebrar essa arrogância que nos faz professores e doutores do que não vimos, quando deveríamos ser alunos, e simplesmente ir ver” (Amyr Klink)

fotografia: canoa da biblioteca da floresta (César Félix)

A solidão e o medo habitam a irracionalidade de PI




Uma película sobre a vida e a morte. Sobre a amizade que mora dentro do inimigo. Sobre a ciência que tem fé e sobre a religião que se abraça com a ciência. Uma história de desapego que só poderá ser explicada por alguém que se apega a algo. Uma história sobre as pessoas que vão sem ir. Um filme que obriga a gente lembrar que existem pessoas que nunca se vão. As perguntas que dorme em nossa memória são marcas que ficaram cravadas na gente de tal forma que já não sabemos quem somos ou se um dia suas garras não estiveram presentes.
Um filme sobre o desconhecido. Um desconhecido age de tal forma que nos fascina. Talvez por isso passamos a vida correndo atrás de nós e se vamos sem saber quem somos. E perseguimos o desejo como se ele fosse mágica, como se fosse instinto. Mas ele não é de mágica, ele corta, arde, brilha, pesa e não tem cheiro. Ele é de pedra.  
Revela que uma força descomunal desafia e preenche nossa solidão: o Medo. Algo tão fantástico e de tamanha brutalidade, tão feiticeiro e irreconhecível, tão distante quanto incomparável, tão Infinito que mora no vácuo. Tão assustador que e a gente não sabe mais se estamos diante de Deus ou do Diabo.
Arte e filosofia, arte e religião, arte e ciência, arte e motivação, arte e limites, arte e mais arte... Um filme de perguntas, de um cinema inquieto, para uma plateia perturbada. Perguntas em forma de pessoas que marcam e que se vão, como se fossem do nada para o nada, sem deixar sequer o tempo de se abraçar e repartir o coração.

Texto de César Félix


Nome original do filme: Life of Pi (ano 2012)
Diretor:Ang Lee
Roteiro:David Magee, baseado na novela Yann Martel
Elenco:Tobey Maguire, Irrfan Khan, Gérard Depardieu, Suraj Sharma, Adil Hussain, Ayush Tandon




10 de outubro de 2012

Eu prefiro uma palavra CLÃdestina!




Eu te peço uma palavra atoa, palavra com gosto, palavra que soa.
Uma palavra forte, que fale da vida, que rejeite a morte.
Palavra com asa, palavra de amor, palavra que voa.
Que exija uma palavra dura, que remeta a uma palavra pura.
Que escreva uma palavra ausente, que se entregue a uma palavra quente.
Palavra contraditória, palavra que brinque, palavra que coma palavra...
Que não fale de temas vencidos, de palavras que não dê abrigos.
Eu exijo uma palavra assim, metade você, metade Yasmim.
Palavras que se vão ao vento,
Que se perdem no abismo do tempo,
Que se jogam poeira a dentro,
Palavras que não tem fim.

César Félix

8 de outubro de 2012

Eleições 2012





Eleições 2012: de verdadeiro, só o kibe do ovelha!

Nessa campanha que passa, sem verso e sem refrão, diria que a solidão é quem mais garante voto. Conteúdo não se vê, proposta já não existe, o eleitor está triste e o comício sumiu. Não se pode fazer festa, o palanque está quebrado e o candidato fadado a se fazer de abestado para encher o seu barriu.

O eleitor em silêncio não sabe se vota ou chora, pra garantir seu sustento sai com bandeira na mão fingindo que se reúne em tempos de solidão. Do outro lado da rua, chora o menino de rua com o futuro garantido: vai trabalhar feito um burro, encher fossa, subir muro e ver o corpo secar. A outra via que passa, grita, solta aleluias, mas vai lhe deixar na rua após eleição passar. 

Não existe mais aposta nessa eleição sem sentido, bandido engole bandido, ladrão engana ladrão. Se o candidato for sério e o eleitor desejar, serão chamados de tolos, pois é quase um desaforo dizer que a proposta é séria, dizer que é contra a miséria, dizer que ganha eleição sem um voto só comprar.

Não existe mais esquerda, a direita ficou torta, o centro agora remonta uma bailarina tonta, não sabe pra onde corre, cambaleia atrás de cargo, vive pedindo afago, mas só vota se for pago. O coletivo sumiu nessas eleições imundas, cada um pensa no seu, cada qual com sua funda. De verdade só existe dois pequenos solitários: o kibe de arroz do ovelha e o tacacá da Raimunda.

Texto: César Félix – eleições 2012.
Fotografia: Clara Figueiredo

29 de setembro de 2012

Além da linha vermelha





Deitado em tapetes de minhas angústias descarrego meu castigo na solidão dos fatos.
Os caminhos se abrem dentro de minha confusão e eu ainda não decidi se atiro na mentira ou na superação do meu egoísmo.
A propriedade me consome e eu procuro uma saída que não seja o suicídio ou a prostituição.
A natureza se abre, se confunde e se extermina na guerra de minha indecisão.
Ao lado de minha loucura um nativo faz o caminho contrário e eu finjo que não vejo.
Preciso passar a linha, mas ela não tem cor e única mancha que vejo é a de sangue.
Tudo está se diluindo, minha vida, meu planeta, meu espaço, minha memória.
Eu te peço ajuda, mas estou sozinho.
Na certeza do que não sei, eu me jogo na dúvida e caminho no infinito do abismo vermelho da história.

Poema: César Félix
Fotografia: Ilse Bing (1932)
Ps: poema parido logo após o debate na Sociedade de Philosofia da biblioteca da floresta.